Sara Reis da Silva

 

Catálogo Exposição Bolonha 2008

João Vaz de Carvalho e a imaterialidade da reescrita visual

 

Vencedor da segunda edição da Ilustrarte (2005) – Bienal Internacional de Ilustração para a Infância –, o artista plástico, cartoonista e ilustrador João Vaz de Carvalho (Fundão, 1958) é detentor de um estilo pictórico muito próprio, trazendo para a ilustração de textos infanto-juvenis algumas das técnicas e alguns dos traços que individualizam o seu trabalho artístico como pintor.

A sua produção ilustrativa, muitas vezes composta em acrílico sobre papel, articula-se expressivamente com a componente linguística e coloca em destaque figuras humanas  – adultas ou infantis – ou animais que se movem em espaços marcados pelo vazio ou pela ausência de elementos integrantes que possibilitem a identificação de um espaço físico reconhecível ou verosímil. Na representação destas figuras, quase todas narigudas, destaca-se a expressão invulgar do olhar, muitas vezes, de índole estática, a sugerir, quase sempre, uma estupefacção ou uma surpresa que acabam por motivar o riso e por serem determinantes para a dimensão lúdica que singulariza a linguagem visual deste artista. Com efeito, João Vaz de Carvalho recria, não raras vezes, cenários parcos em detalhes (por exemplo, objectos ou motivos naturalistas), mas dominados por personagens dinâmicas, em movimento, dispostas, por vezes, em grupos e “desenhadas” numa posição instável, desiquilibrada, “elevatória”, improvável ou contrafactual, como é o caso da representação “de pernas para o ar”. A colocação destas figuras no espaço visual da página parece orientar-se pelo recurso frequente à reiteração pictórica, estratégia que contribui, em alguns casos, para uma composição de tipo padronizado que sublinha a relevância do aspecto representado visualmente no próprio texto verbal.

            Uma das vertentes subjacentes à componente ilustrativa assinada por este ilustrador é a vertente cómica, patente quer na própria recriação figurativa das personagens (em particular, dos seus rostos), quer na expressão nonsensical que baliza algumas das suas imagens, muitas delas marcadas pela associação absurda de alguns elementos.

Frequente é também a conjugação de aspectos que se inscrevem no universo realista com outros de índole maravilhosa, fantástica e/ou onírica, um caminho criativo que acaba, em última instância, por redimensionar o texto verbal e convidar o receptor a aceitar um tipo de leitura ostensivamente ambígua. O carácter polissémico do trabalho de João Vaz de Carvalho parece, ainda, decorrer da concentração, condensação ou, até, de uma certa tendência para a elipse em relação ao que propõe o texto verbal, concedendo, assim, as suas ilustrações hipóteses de descodificação bastante desafiadoras. Autênticos exercícios de imaginação, as imagens que João Vaz de Carvalho cria em torno da escrita para crianças e jovens motivam o leitor a um percurso de leitura que abre múltiplas possibilidades ao nível do preenchimento de espaços em branco.

 

Sara Reis da Silva

Universidade do Minho

sara_silva@ie.uminho.pt